Há algum tempo que me dedico a recolher depoimentos, documentos, testemunhos... que me permitam escrever uma espécie de biografia do meu avô paterno Abílio Luís Amaro, mas conhecido pelo Abílio "Tripa", alcunha que herdara da sua mãe, também ela conhecida como Ana "Tripa". Ao que parece, este alcunha derivaria de um dos seus ascendentes que seria natural do Porto, terra de "tripeiros" e, como tal conhecido por "Tripa".
Mas disso falaremos noutra ocasião e local, quando compilarmos o material necessário para concluir a tal empresa.
Hoje, tendo em conta os tempos que vivemos, gostaria de recordar alguns dos conselhos que o meu avô dava aos filhos, incutindo-lhes valores que hoje, apesar de mais letrados, a maior parte dos pais se revela incapaz de transmitir aos seus descendentes.
Assim, convém, antes de mais, traçar o perfil do homem, cuja história de vida se confunde com a história da agricultura em Loriga, na primeira metade do século XX.
O "Ti Abílio" era o rendeiro mais disputado de Loriga, no início do século. Tal facto é atestado pela quantidade de tarefas para que era solicitado. Tendo a responsabilidade das terras da família Rocha Cabral, era o "caseiro" da D. Maria, cuja família detinha a fábrica da Fândega. As malhadas do Tapado e todas as courelas da zona da Fândega, bem como grande parte das terras do Avenal, incluindo as pertencentes à Sra. dos Anjos do Crisóstomo, que iam até aos Peliteiros, eram amanhadas por ele e pelos filhos. O segredo do seu sucesso estava na forma como adubava a terra, tirando desta mais rendimento, do que grande parte dos outros rendeiros. Para os menos avisados e informados destas coisa da agricultura, as rendas, na altura, eram pagas em produtos agrícolas, resultantes das colheitas recolhidas nas terras arrendadas. Ora, quanto maior fosse a produção, maior era o rendimento que os patrões recebiam, mas, também maior era o quinhão que o rendeiro guardava.
O Abílio adubava as terras com estrume de vaca, pois para alem das vacas que pertenciam aos patrões, a quem diariamente os filhos entregavam o leite, possuía e foi aumentando o numero, algumas de sua própria propriedade o que aumentava a quantidade do estrume e, por consequência a fertilidade das terras que amanhava.
Quando os filhos começaram a ter alguma autonomia para o trabalho, entregava-lhes as tarefas do amanho dessas terras e ia trabalhar à jorna, em outros lugares e para outros patrões, aumentando assim o rendimento disponível da família, que ia ficando cada vez mais numerosa.
Casado com Maria Gonçalves, teve 10 filhos, mas apenas 6 sobreviveram. O Carlos, a Maria Emília, a Maria do Carmo, o António, a Maria Irene e o Fernando. Faleceram, entretanto, o Augusto, a Miquelina, o António e a Isaura.
Homem do campo, rude, mas muito divertido, era o responsável por muitos dos momentos mais animados da Vila de Loriga nessa época. Era ele que organizava os "Bailes e Contradanças" no Terreiro do Fundo, no Cabeço, na Fonte do Vale... Eram tempos em que uma simples Gaita de Beiços ou Realejo, como também lhe chamavam, servia para armar um baile e o "Ti Abílio" era exímio tocador. Os seus filhos foram todos músicos da Banda de Loriga, exigência da avó Ana que estendeu a exigência ao Augusto, filho da sua filha Glória.
Sendo um tempo de grande crise, devido, por um lado, às Guerras Mundiais e, por outro à própria situação da 1ª República e do início da magistratura de Salazar, o Abílio ensinava aos filhos alguns segredos, de boa gestão da economia familiar e assim, destaco hoje os "Mandamentos da Fome", uma lenga-lenga que ele quase obrigou a decorar aos seus rebentos e que a minha tia Irene e o meu tio António, únicos ainda vivos me passaram e considero que têm uma atualidade digna de registar:
Os Mandamentos da fome
Quem
ganha um e come dois, nunca guarda nada para depois
Quem
ganha dois e come três, nunca guarda nada para a outra vez
Quem
ganha três e come quatro, nunca pode viver muito farto
Quem
ganha quatro e come cinco, vive sempre muito faminto
Quem
ganha cinco e come seis, nunca tem nada para dar aos reis
Quem
ganha seis e come sete, nunca tem nada com que se espete
Quem
ganha sete e come oito, nunca poderá viver muito afoito
Quem
ganha oito e come nove, nunca tem nada nem para dar a um pobre
Quem
ganha nove e come dez, no fim da velhice não tem que enfiar nos pés
Como se pode verificar, estes "Mandamentos" são um forte incentivo à contenção de gastos e à poupança, valor que, na época era precioso, tendo em conta a escassez de recursos.
Prometo voltar com outras curiosidades das Tradições de Loriga, para partilhar com os mais jovens, conscientes de que, quem não respeita o passado, não compreende o presente e arrisca-se a não ter futuro!
Sem comentários:
Enviar um comentário