Loriga - Vista parcial
Quando se ultrapassa a barreira do meio século, é sempre interessante encontrar pretextos para recuar no tempo.
Olhar para trás... reavivar memórias...
Mas contrariamente ao que é comum ouvir-se e constatar-se, há sentidos que por vezes desvalorizamos e que nos transportam nessa viagem de uma forma repentina e eficaz.
É o caso do paladar!
Os sabores da nossa infância são uma marca indelével, como que gravada no nosso "ADN" e que perduram ao longo da vida.
Confrontei-me com essa realidade há uns dias atrás, quando me deliciei com duas belas espigas ou maçarocas, como se diz por alguns lados, que assei e que comi com um prazer muito especial!
As minhas maçarocas assadas...
Acontece que na primeira dentada, ao sentir aquele sabor particular... aquela doçura típica do milho verde... dei comigo a viajar no tempo, de regresso à minha infância em Loriga.
Quantas aventuras me passaram pela mente naqueles breves instantes!...
Os dias e dias passados na ribeira... as aventuras nas ruínas da Fândega... nas grutas dos antigos prospectores de minério...
As ruínas da Fândega
Como éramos uns "corrécios" e uns "barromões" (cognomes com que os nossos pais nos brindavam no final do dia), não queríamos regressar a casa para comer, a saída era, portanto, apanhar fruta das árvores e comê-la; arrancar umas maçarocas de milho, assá-las e em seguida devorá-las com aquele apetite voraz, típico das crianças, quando comem alguma coisa de que gostam; apanhar umas trutas, que naquele tempo abundavam na nossa ribeira, que depois de assadas, davam também um belo petisco.
Lembro-me de um pessegueiro de "pêssegos carecas", que naqueles tempos havia, entre o poço das caneladas e o poço forte.
Ribeira da Nave - O poço das caneladas
Ora, acontece que os pêssegos nunca chegavam a amadurecer, já que a "pirralhada" que por ali andava, se encarregava de os pilhar, mal a côr verde se começava a esbater.
Mas... deixemos as divagações e voltemos ao milho.
As maçarocas eram, de facto, um dos grandes pitéus, com que saciávamos a nossa avidez, mas como as espigas eram arrancadas ainda verdes, tínhamos que saber escolher as que já não estavam em leite. Para diferenciarmos as que seriam comestíveis, tínhamos que prestar atenção às "barbas". As melhores eram as que, tendo as folhas ainda verdes, já tinham as barbas castanhas. Essas sim, estavam boas para assar!...
Mas, as nossas delícias, não se ficavam pelo devorar da maçaroca assada! As barbas também tinham a sua utilidade, bem como as folhas que envolviam a espiga. Depois de secas serviriam para o nosso "ritual de iniciação" no vício de fumar... foi com este "tabaco" natural que a maioria dos jovens do meu tempo começou a fumar... era o chamado tabaco "tarroano".
Que saudades!!!
O milheiral com as espigas ainda verdes e as barbas a acastanhar...
Como é que duas espigas que comprei para assar, com a intenção de dar a provar ao meu filho um dos sabores da minha infância... conseguem ter esta magia de me transportar para esses tempos e me perder em recordações que aqui estou a partilhar, como se voltasse a viver essas experiências tão divertidas...
Mas... voltemos ao mundo real!
O facto é que o paladar consegue ter este poder, talvez até mais forte que a visão ou a audição, porque, dando mais margem à imaginação, faz-nos encurtar as distâncias e transportar-nos vertiginosamente para o passado.
Havemos de lá voltar... com outras memórias e novas aventuras...
2 comentários:
Gostei de ler, é tal como ouvir os meus pais me contar historias da infância deles em Loriga.
Abraço
Dulce
Mais uma vez me diverti com os teus textos, especialmente com a expressão "barromão" de que vagamente me lembrava! Por vezes também passo por essa nostalgia dos sabores, só que, dificilmente os recupero...
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