Blogue Iniciado em 31 Julho de 2008

Trova Nossa

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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Na passagem do Dia Mundial da Rádio... A saudade dos tempos de clandestinidade...



Quando ainda ninguém falava em Rádios Locais, lá estávamos nós, na oficina do Abílio Marques, na Baixa da Banheira, no início dos anos 80 a fazer as nossa emissões "piratas"! Que gozo e emoção era sentir que, mesmo clandestinamente, éramos ouvidos, do outro lado do rio, na grande cidade, por um número cada vez maior de pessoas!
À terça-feira, um Disco jockey, de que já não recordo o nome, encarregava-se da emissão... uma emissão direcionada para a "malta nova", passava a música que estava na onda, com um público fiel que seguia religiosamente a emissão.
Ao sábado, o programa no qual eu colaborava e a cuja equipa me juntei, praticamente desde a primeira hora. O nome, pomposo quanto baste, dava-nos uma responsabilidade enorme, pois tinha que marcar a diferença, relativamente a qualquer dos programas das rádios oficiais.
Todos os Sábados, às 22 horas em ponto era lançado o "jingle" ...   - Sábado, Sábado à noite... Quase Domingo.... Um programa de Informação e Música...
Assim se iniciava a nossa emissão, que ia até às duas da madrugada. 
Sábado a sábado, o  auditório aumentava. O feed back, aferido pela quantidade de telefonemas de apoio que, ao longo do tempo fomos recebendo, deu-nos coragem e motivação para continuar.
Passo a passo, fomos consolidando  um auditório que, nos dias das emissões se colava aos receptores para escutar a... -"Rádio Arremesso" a emitir da Baixa da Banheira... repetia o "jingle" que, de tempos a tempos era colocado no ar.
Que saudades deste tempo!!! Para além da aventura da clandestinidade, movia-nos a vontade de marcar a diferença, a irreverência de  tentar mudar um "status quo" que parecia imutável. O 25 de Abril já ocorrera há 7 ou 8 anos e, em alguns setores, tudo continuava na mesma. A comunicação social continuava, demasiado elitista e não se havia democratizdo.  
Aos poucos as horas de emissão iam aumentando. O grupo de amigos que se juntava para emitir todos os sábados foi aumentando e chegou-se à Cooperativa que viria a concorrer à frequência, alguns anos mais tarde.
Lembro-me, da primeira emissão, com música ao vivo!  Nesse dia o Abílio esmerou-se com o som, para que tudo corresse como desejado. O Carlos Mssapina, introduziu a rubrica com pompa e circunstância: - Hoje, pela primeira vez, vamos emitir, a partir dos nossos estúdios, música ao vivo. Convosco fica Pinto Gonçalves, que acompanhado com a sua viola, nos vai cantar a Pedra Filosofal, com música de Manuel Freire e letra de António Gedeão.
Eu, sentado numa televisão que ali estava para ser consertada, lá cantei uma das cantigas que faz parte do meu repertório ,desde os meus tempos de adolescência. Foi um momento inesquecível!... As reações do público não se fizeram esperar e os comentários não podia ter sido mais elogiosos.
O impacto destas emissões  começou a sentir-se, sobretudo junto dos órgãos do poder local. Com  um auditório crescente e com a denúncia livre de um conjunto de coisas, que entendíamos não estarem a correr tão bem, cedo começámos a perceber que éramos incómodos, mas isso só contribuiu para aumentar a nossa responsabilidade.
Com o aumento das horas de emissão e do número de colaboradores, não podíamos continuar na oficina do Abílio e passou-se para um rés do chão, arrendado para instalar, mais ou menos oficiosamente  a Rádio Arremesso. Estávamos já em 84 e nesta altura, o número de Rádios Locais era quase tão grande como o número de concelhos do país, senão mesmo superior. Em Lisboa havia surgido o projeto TSF, com uma capacidade de intervenção enorme, tendo em conta os nomes envolvidos no projeto. Os grupos de comunicação social, não quiseram perder o combóio e lançaram, também eles as suas rádios. A Rádio Gest, a Telefonia de Lisboa, a CM rádio entre outras, apareceram nesta altura.
Mas, na Margem Sul, as rádios também começaram a nascer como cogumelos. Assim, liguei-me à Rádio Mrgem Sul, do meu amigo e colega, Gonçalo Rego, que já editava a Voz do Barreiro, jornal local onde eu já colaborava e, também ele, colaborador, enquanto comentador dos nossos programas na Arremesso.
Na Moita, surgia o projeto Rádio Clube da Moita, pela mão de um outro amigo e colega da Assembleia Municipal, o Manuel Luis Beja. Também colaborei com este projeto com uma crónica semanal ao sábado, que entrava no ar via telefone.
Neste tempo, enquanto formador do FAOJ, Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, que mais tarde daria lugar ao Instituto da Juventude, formei muitos jovens para integrarem os departamentos de informação das novas rádios. Vários foram os que singraram nos inúmeros projetos locais, mas um desses jovens é, ainda hoje, um nome sonante da rádio em Portugal. Trata-se do Júlio Heitor, que hoje é responsável pelas tardes da Renascença, mas durante muitos anos foi um dos rostos da RFM.
Na Rádio Margem Sul, para além da responsabilidade da informação, comecei com um projeto de divulgação da nossa música ligeira: Portugal a Cantar. Este programa esteve no ar cerca de 4 anos, dois na Margem Sul e mais dois na Rádio Popular de Lisboa, para onde me mudei, quando deixei de viver na outra margem e fixei residência em Lisboa. Pelo meio, a responsabilidade pelo departamento de Informação do Clube Radiofónico de Portugal, durante mais de um ano.
Um episódio triste, marcou este programa, ainda na Margem Sul. Numa 5ª feira de Agosto, tive como convidado - o programa convidava sempre um intérprete -  o inesquecível Carlos Paião. Como já morava em Lisboa, na altura, fui com ele, no seu carro, para o Barreiro. Um homem simples, simpático e humilde que viria a falecer, no sábado seguinte, devido a um acidente rodoviário. Fiquei em choque, porque tive a noção de que fui eu que lhe fiz a última entrevista, na qual ele falava com um entusiasmo enorme dos seu projetos para o futuro. Só que o seu futuro acabou, dois dias depois!...
Fiz centenas de entrevistas, com políticos, artistas e outras figuras mais ou menos anónimas, mas nenhuma me marcou como esta, devido às circunstâncias que viriam a ocorrer.
Em 1989, já com as rádios legalizadas, abandonei as lides radiofónicas, mas confesso que o bichinho ainda mexe cá dentro. Quantas vezes, não me deu já vontade de me disponibilizar para colaborar com uma das rádios da zona de Torres. 
Como soe dizer-se: "Never say never!..."

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