Poço do Caldeirão - Foto de José Manuel Alves
Ao ler este belo poema do Zé Manuel Alves, a minha imaginação voou, ate àqueles tempos em que bandos de "pirralhitos" e outros menos "pirralhos" invadiam as ribeiras de Loriga, mal começava a haver uma pontinha de calor. A ribeira era o nosso mundo! "Dinqueiros" e descalços, calcorreávamos "piabaixo e piacima", principalmente a Ribeira da Nave e os seus principais poços. Desde logo, o Poço Forte, do qual só o nome impunha respeito e, mal se começavam a dar as primeiras braçadas autónomas, traçavam-se as primeiras metas e desafios a superar e atravessar o Poço Forte, era um objetivo quase inatingível para iniciantes.
Mas uns furos abaixo estava o Poço da Curilha e logo a seguir o Poço dos Moinhos, bastante mais acessíveis para estes nadadores de palmo e meio. Pelo meio havia ainda o Poço das Caneladas, o Poço das Meninas, no Ribeiro da Ponte e o Poço das Courelas, que caiu em desuso quando lá começaram a desaguar alguns dejetos. acima do dos Moinhos um outro impunha respeito pelo seu "calhão" profundo: o Poço do Caldeirão.
Estes eram os mais centrais. Mas em direcção a nascente havia ainda o Poço e o Açude do Zé Lages e mais acima o Poço do Aparício.
Mas quando as nossas incursões pretendiam ir mais longe, descíamos a partir do Poço Forte em direção ao Alva e novos desafios, como o Poço do Inácio e os dificílimos Poço do João Freire o o Poço da Broca, já perto da Freguesia da Cabeça.
Esta era a "nossa ribeira" centro de muitas e muitas histórias... de muitas e muitas aventuras... de desafios e superações, onde foram temperados os: Miúdos e Homens de Loriga
E assim, não resisto a partilhar este magnífico poema que retrata a nossa infância em Loriga nos idos anos sessenta e setenta do século passado.
MIÚDOS E HOMENS DE LORIGA
A fundura dos poços de Loriga
Mede-se pelos homens que encobrem
Enquanto os miúdos, “dinqueiros”
Secam estirados ao sol
Sobre as fragas de granito polido
As ribeiras não têm segredos!
Eles conhecem-na como ninguém
E são muitos os heróis
Que tocaram o fundo do "caldeirão" e do "inferno".
A fundura dos poços de Loriga
Mede-se com homens de coragem
Homens que a seu tempo
Desafiaram a rudeza da serra
E foram pastores, mineiros
Agricultores, operários
Homens de saber
Ou gente apenas.
Em Loriga os homens nascem marinheiros
E navegam bem cedo os barcos de "carcódoa"
Ladeando-os rego abaixo
Em incessantes correrias
Por ruas e quelhas
Horas a fio
Contrariando o cansaço.
A grandeza dos que partiram
Mede-se na saudade
E no irresistível desejo de voltar a mirá-la lá do alto
Olhos desmesuradamente espantados
Como se fosse a primeira vez
E senti-la incrivelmente bela
Serenamente ajoelhada na ribeira
Enquanto os miúdos dinqueiros
Secam estirados ao sol
Sobre as fragas roliças
De granito polido.
Autor::
José Manuel Alves
Glossário:
Dinqueiros - Nus * Caldeirão e Inferno - Poços emblemáticos com grande profundidade. * Carcódoa - Casca do pinheiro, facilmente trabalhada à mão. * Quelhas - Pequenas ruas. * Fragas - rochas de granito de dimensão considerável. * Regos - Pequenos canais de grande caudal que , transportam água ao longo das ruas, lateralmente..
Sem comentários:
Enviar um comentário